Apresentação

Gravando gravuras, infografias, xilogravuras, calcografias, eletrografias, fotografias....

10 de abr. de 2009

Poética

“Ao perder a cor – a maior das seduções sensíveis – o gravador conserva uma possibilidade: pode encontrar, deve encontrar o movimento. A forma não bastaria. Apenas a forma passivamente copiada faria do gravador um pintor menor. Mas, na enérgica gravura, o traço não é nunca um simples perfil, nunca um preguiçoso contorno, nunca uma forma imobilizada. O menor traço de uma gravura já é uma trajetória, já um movimento, e se a gravura é boa, o traço é um primeiro movimento, um movimento sem hesitação ou retoque. A gravura é feita de movimentos primitivos, de movimentos confiantes, completos, seguros. O traço então conduz massas, impele gestos, trabalha a matéria, confere a qualquer forma sua força, sua flecha, seu ser dinâmico.
O gravador, com efeito, permite-nos reencontrar os valores de força no estilo mesmo em que o pintor nos ensina o valor de uma luz. Esses valores de força estão no relevo duramente conquistado, conquistado pelos pequenos recursos do preto e do branco, nas formas habitadas por um movimento superabundante, impaciente por surgir.
Em resumo, a paisagem do gravador é um ato. É um ato longamente meditado, um ato concluído com lenta energia sobre a dura matéria metálica. Mas, por um insigne paradoxo, essa lentidão ativa nos desvela a inspiração de forças rápidas. Assim, o gravador nos incita a agir, a agir depressa. Ele nos revela o poder da imaginação dinâmica, da imaginação das forças. Uma paisagem gravada é uma lição de poder que nos introduz no reino do movimento e das forças.
As lendas poéticas gostam de recontar que Afrodite nasceu da espuma das ondas: brancura e rendas bastam ao poeta para fazer uma mulher. O pintor evocaria antes Nausicaa. Para ele, o mar é uma mulher quando uma virgem nele se banha. Ele é seduzido pela luz duplicada dos reflexos e se encanta com as formas efêmeras. O gravador, dissemos, consagra-se ao movimento. Aqui está uma prova. A mulher que nasce das ondas é uma vaga primitiva. É um torso que surge de um movimento oprimido, opressor, é a própria respiração da vaga atormentada, o peito das águas cheias de paixão. Então a mulher é, verdadeiramente, irresistível onda das profundezas.
É aqui que o movimento das águas desperta tuas forças provocadoras. Te chama para todas as provocações.”
GASTON BACHELARD